tag:blogger.com,1999:blog-17191869309619458732024-03-12T21:55:36.739-07:00Cara a tapaResenhas, críticas e pensamentos erráticos sobre literatura e cultura contemporâneaGiovanna Dealtry e Stefania Chiarellihttp://www.blogger.com/profile/08014884499329405839noreply@blogger.comBlogger12125tag:blogger.com,1999:blog-1719186930961945873.post-8310510879952847132008-05-30T14:51:00.000-07:002008-05-30T14:58:06.587-07:00Escrita, escritores<div align="justify"><br />O<span style="font-family:verdana;"> que eu tenho a dizer está nos meus livros. Coloco a frase assim, sem aspas, porque não me lembro quem a disse ou se eu realmente a li em algum lugar ou se a criei para condensar uma imagem de escritor que carrego comigo há muito. As biografias dos escritores em nada me interessavam. Era quase um plano evitar qualquer evidência de concretude – entrevistas, perfis, até orelhas de livros – e buscar somente nos textos ficcionais e poéticos a relação com os autores. Foi assim que cresci achando que Clarice Lispector era católica. Hoje, continuo a evitar biografias, não com o mesmo desprezo arrogante que só a juventude permite, mas para manter um certo pacto de fidelidade ao escritor inventado por mim.<br />E, no entanto, as biografias proliferam-se dia e noite nas prateleiras, nas telas de cinema e da intenet e (espanto) dentro das próprias ficções. E (novo espanto) tudo isso nos é vendido como algo novo, novíssimo, recém inventado. Se a biografia antes (quando? em Henry Miller, paixão adolescente?) estava lá como um caminho até a escritura, hoje parece ser o contrário, e a escrita torna-se atalho para o escritor falar de si. A modernidade, de certa forma, rompe essa fronteira entre vida e obra. A “novidade” está aí desde Baudelaire. Mas o certo é que a vida, com suas paixões, reveses, rotinas, não delimitava os espaços investigativos da escrita. E o que considero mais importante: a escrita retornava ao mundo, não se fechava nele.<br /><br />(Isto tudo começou, ontem. Um aluno, depois de assistir Arquitetura da destruição, um documentário de Peter Cohen sobre estética e nazismo, disse-me, disse à turma, não conseguir sentir raiva de Hitler. Que para ele, parafraseio, isto é apenas um dado histórico, como a tortura nos porões da ditadura brasileira. Um dado histórico distante de mim. – ele disse. O aluno em questão não é burro, lê Heidegger. Explica-se? Faz faculdade de cinema. Pergunto-lhe: que cinema é esse que você quer fazer? Se é incapaz de sentir empatia por outro, diante da dor, para que o cinema, talvez a arte mais empática e coletiva de todas? Ele não responde. Tudo isso, pode ser uma atitude entediada diante da vida, acredito.</span><span style="font-family:verdana;">)<br />Passo os dedos nas estantes, biografias, biografias. Explícitas, disfarçadas em: depoimentos, testemunhos, metaficções biográficas, auto-para-psico-etno-alter-ego-peri-grafias. </span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:Verdana;"></span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:Verdana;"></span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:Verdana;"></span></div><br /><div align="justify"></div><br /><a href="http://4.bp.blogspot.com/_ke_agX6I5v8/SEB4J8I-riI/AAAAAAAAABc/7Nl4wGCOhdE/s1600-h/Typewriter-002.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5206293281398238754" style="DISPLAY: block; MARGIN: 0px auto 10px; CURSOR: hand; TEXT-ALIGN: center" alt="" src="http://4.bp.blogspot.com/_ke_agX6I5v8/SEB4J8I-riI/AAAAAAAAABc/7Nl4wGCOhdE/s400/Typewriter-002.jpg" border="0" /></a><br /><div align="justify"><br /></div>Giovanna Dealtry e Stefania Chiarellihttp://www.blogger.com/profile/08014884499329405839noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-1719186930961945873.post-50823669533510227152008-04-05T06:36:00.000-07:002008-04-05T06:39:24.570-07:00Resenha de Tânia Pellegrini sobre o livro Alguma prosa<div align="justify">O texto abaixo foi publicado no caderno Idéias (Jornal do Brasil) e comenta o livro que organizamos.</div><div align="justify"><br />Prosa brasileira: um difícil enigma</div><div align="justify">Tânia Pellegrini*<br /></div><div align="justify">A prosa brasileira contemporânea parece ter se tornado uma espécie de esfinge difícil de decifrar, na sua aparente facilidade. As reações diversas da crítica, que vão da rejeição completa ao aplauso apressado e barulhento, passando pela natural perplexidade de confrontar o que se apresenta como novo, só fazem confirmar esse lugar-comum.<br />Na verdade, o enigma posto por essa esfinge traduz a multiplicidade de aspectos que dão a configuração geral da ficção de hoje, ocultos, na maioria das vezes, sob a rubrica geral do entretenimento, em que uma linguagem ágil e fácil, de cunho jornalístico, traduz detalhes da realidade urbana de todos os dias ou elucubrações individualistas de um sujeito qualquer.<br />Surgida do caldo cultural do regime militar, que à censura acrescentava outros ingredientes – como o estímulo à modernização e à industrialização – a ficção de hoje, para quem se arrisca a enfrentar o enigma, introduz temas e soluções referentes a um outro Brasil, não mais aquele cantado em prosa e verso pelas vozes de inspiração apenas modernista, que propunham uma literatura nova para os novos tempos do alvorecer industrial.<br />Tanto a cultura quanto a literatura de hoje traduzem um país melhor ou pior – dependendo do ângulo pelo qual se olhe – mas certamente bastante diverso, a partir do qual se vieram gestando outras sensibilidades, com outros olhares sobre o mundo e outras formas de representá-lo. Para alguns, já um mundo pós-moderno, com todas as incertezas e divergências que esse termo pode suscitar. E para o qual entretenimento e mercado passaram a ser palavras de ordem.<br />O livro Alguma prosa: ensaios sobre a literatura brasileira contemporânea – meticulosamente organizado por Giovanna Dealtry, Masé Lemos e Stefania Chiarelli – é uma honesta tentativa de decifrar o tal enigma, sem se deixar seduzir completamente pelo entretenimento e pelo mercado, numa postura comprometida com a seriedade de sua tarefa.<br />Reúne 16 ensaios sobre ficção, claramente escolhidos com o objetivo de olhar pelo menos alguns dos vários aspectos da complexa pluralidade de questões postas pela nova literatura. Os ensaístas, cuidadosos, procuram não se deixar levar pela reverência a cânones estabelecidos pela linha teórica escolhida – a mesma, com variações, para todos - pelo renome de autores já consagrados por esses mesmos cânones ou até pela mídia. Estes também estão presentes, mas sempre submetidos ao crivo de uma análise sistemática.<br />A linha teórica que ampara os textos vê a literatura como mediação, um modo de ver o mundo e nele estar, sendo que todo crítico literário, ao se debruçar sobre seus objetos, "narra também experiências e percursos próprios", como afirma uma das organizadoras.<br />É isso que, provavelmente, orienta a escolha dos autores analisados, na maioria produzindo a partir da década de 90, tal como os próprios ensaístas reunidos no livro. Embora o conjunto adquira um toque de geração, não se trata de trabalho de crítica ligeira; os ensaios, embora diversos na fatura e na profundidade argumentativa, bem como sua organização, provêm da universidade, lugar que ainda exige questionamento e reflexão, mesmo nestes tempos de pressa e dúvida. Assim, percebem-se juízos de valor estabelecidos, o que de sobra legitima o trabalho, principalmente porque se abrem à discussão.<br />Afastando-se o puro entretenimento, colocam-se questões caras à prosa, como a relação entre ficção e realidade, o lugar do sujeito, o compromisso do autor ou o papel do narrador, que adquirem tonalidades novas, "pós-modernas" se quisermos, na medida em que se mesclam a outras, já expressão de experiências radicais dadas pelo momento presente.<br />Desterritorialização, condições de exclusão, medo e solidão, problemas de identidade relacionados ao corpo e à vivência da sexualidade, situações-limites dadas pela violência urbana cruzam-se nas análises, que vão fundo nos textos dos escritores escolhidos.<br />Experiências como a de Budapeste, de Chico Buarque, ou dos contos de João Gilberto Noll, que refletem sobre o papel do autor nas sociedades contemporâneas.<br />Ou ainda a necessidade de criar "fluxos constantes" para romper o isolamento do sujeito, como tenta Amílcar Bettega; a ânsia do encontro consigo mesmo, no amor de uma mulher por outra, em Cíntia Moscovitch; a condição do negro, historicamente construída e vivenciada como memória de um "eu rasurado", em Conceição Evaristo ou em Ana Maria Gonçalves e seu "defeito de cor"; a inconcebível banalidade da violência em Patrícia Melo e Rubens Figueiredo; e o papel de livros e leituras na "biblioteca de Hatoum".<br />E é importante acrescentar que, embora a seleção recaia mais sobre autores do Rio, percebe-se o cuidado de percorrer todo o país, , incluindo outras regiões.<br />Como se os ensaístas percebessem que, gestados sobretudo nas tensões dos grandes centros urbanos, mesmo expressando às vezes diferenças regionais nos espaços e tempos, esses autores tivessem a uni-los as mesmas angústias e medos, não só existenciais, mas também relativos aos limites da literatura enquanto possibilidade de traduzir uma realidade desde há muito quase inenarrável.<br />O que se pode transferir para os próprios ensaios: viceja em todos eles, em texto e subtexto, a consciência inquieta da impossibilidade de a crítica literária conseguir penetrar no âmago da literatura.<br />E talvez seja essa mesma consciência que faz de cada ensaio uma peça exploratória de agradável leitura, sem juízos finais, mas com a humildade de quem aceita e respeita a dificuldade do enigma, para não ser devorado sem sequer ter podido enfrentá-lo.<br />* Professora de literatura brasileira e sociologia da cultura da Universidade Federal de São Carlos (SP)</div>Giovanna Dealtry e Stefania Chiarellihttp://www.blogger.com/profile/08014884499329405839noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-1719186930961945873.post-77656047154200181752008-03-19T12:39:00.000-07:002008-03-19T12:53:13.453-07:00De naufrágios e sobreviventes<div align="justify">Stefania Chiarelli</div><div align="justify"> </div><div align="justify">O mito é o nada que é tudo, afirmou Fernando Pessoa. Dessa força constante de recriação, da trama de fabulações mitológicas de origem indo-européia e ameríndia nasce o último livro de Milton Hatoum. Não é exagero afirmar que o escritor amazonense é adorado pelos leitores e reconhecido pelos críticos. Uns e outros tem motivos para celebrar Órfãos do Eldorado: lá estão, como em seus outros escritos, o viés memorialístico, os dramas familiares, a cidade como cenário e cúmplice de fatos marcantes, as águas amazônicas em sua potente expressão.<br />O móvel da história não se detém, entretanto, no aspecto mítico da trama. Ele é pretexto para nomear a situação de uma sociedade marcada pela prática do favor, do clientelismo, da propina, características presentes na conduta do pai do narrador, Amando Cordovil, proprietário de uma empresa de navegação. A ética da acumulação não seduz Arminto, seu herdeiro. A partir dessa e de outras divergências se inicia a bancarrota familiar, tema comum aos outros romances de Hatoum.<br />A Amazônia costuma simbolizar fausto e riqueza, mas nesta narrativa ela surge como palco de violência, de negociatas, ambiente de crianças roubadas e abusadas. Como Florita, a indígena de quem o órfão Arminto bebe o primeiro leite e as palavras traduzidas da língua geral. É dela a tarefa de criar a ponte entre mundos, de recriar esse outro universo aos olhos do menino curioso. A primeira cena do livro já desmistifica a figura muitas vezes idealizada do índio: Florita vê uma mulher se suicidando no rio e deturpa o sentido de suas últimas palavras. Para que o garoto não se impressione, conta a ele que a moça fora atraída por um ser encantado no fundo das águas. Traduzir é também trair, modo de lidar com uma história de domínio e imposição cultural. Anos depois, Arminto compreende o significado das palavras trocadas, e essa noção de engodo perpassa toda a narrativa.<br />Das palavras em língua estranha de uns aos silêncio absoluto de outros também se faz a novela. Dinaura, a mulher amada por Arminto, esconde um segredo. Após uma única noite de amor, desaparece, e ele passa a buscar seu paradeiro, terminando de arruinar o patrimônio dos antepassados. A pesada atmosfera familiar de culpa e morte, de ausência paterna e dissipação do legado material e afetivo abre espaço para a dúvida que permanece quando finda a leitura. Hatoum não reserva ao final, como em seus dois últimos livros, revelação que arremata o desenlace. Elementos da trama permanecem na obscuridade. Com isso ganha o leitor, chamado a tomar parte ativa na história, a imaginar. Certo é que Dinaura se inscreve em uma linhagem de personagens femininos da literatura brasileira: a dança em clima de possessão e erotismo homenageia Ana, de Lavoura arcaica, outra figura marcada pelo drama do incesto e da lei paterna. Dona de olhos oblíquos, em seu silêncio eloqüente lembra também Capitu, personagem machadiana.<br />Eis uma das delicadezas da construção de Hatoum: a literatura se beneficia desse diálogo entre textos e encontra lugar especial entre seus personagens. A palavra poética como conhecimento de si e dos outros, como mediação entre as experiências e as pessoas, aparece nos poemas citados, nos personagens-leitores, na homenagem a Bandeira, Raduan Nassar e Machado, para ficar em alguns nomes.<br />De tom melancólico, falando de perda, luto e ruínas, Hatoum revisita o mito da Cidade Encantada para contar uma história de amor, e também para transmitir relatos que circulam oralmente entre os indíviduos. Navios, fortunas e paixões naufragam, mas sobrevivem as histórias e o desejo de contá-las. </div><div align="justify"><br />(Resenha originalmente publicada no Suplemento Pensar do Correio Braziliense)</div>Giovanna Dealtry e Stefania Chiarellihttp://www.blogger.com/profile/08014884499329405839noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1719186930961945873.post-11163318718609221382008-01-05T07:32:00.000-08:002008-01-05T09:03:09.406-08:00Amores expressos ou como viajar sem sair do lugar.<div align="justify"><span style="color:#000099;">Giovanna Dealtry<br /><br /><br />O projeto <a href="http://www.amoresexpressos.com.br/">"Amores Expressos",</a> patrocinado pela Companhia das Letras e tendo como um dos coordenadores o escritor João Paulo Cuenca, já rendeu uma série extensiva de polêmicas em blogs e cadernos culturais. Falou-se em dinheiro público sendo utilizado para alimentar panelinhas de amigos, em falta de critério para a escolha dos autores que passariam um mês viajando para diversas cidades do globo e teriam que trazer na bagagem um romance sobre o amor na contemporaneidade. Este post não pretende retomar essa discussão pra lá de complexa e que acaba por gerar mais "mídia espontânea" do que realmente uma discussão sobre os rumos da literatura no Brasil e o papel do mercado nessa relação. Eu,pessoalmente, acho que escritor tem que pagar aluguel, escola do filho, como qualquer outro, e, portanto, como qualquer outro artista, deve ter direito de acesso a verbas públicas com projetos que contribuam para a cultura brasileira. Isto posto, vamos ao que interessa. Desqualificar, destruir, humilhar publicamente uma outra cultura e os indivíduos de uma outra nação pode significar tudo, menos o comprometimento ético sobre o qual se deveria fundar a literatura contemporânea convivendo obrigatoriamente com a alteridade. Torna-se incompreensível como uma jovem autora, nem mais tão jovem ou inocente assim, possa escrever em seu blog dedicado ao cotidiano de sua viagem à India tais palavras "Embora eu seja uma moça pop que gosta de gostar das coisas, não há nada que me faça gostar dos indianos. Ter voltado pra Mumbai deixou isso muito claro e, se antes esse era um ponto de conflito para mim, agora não mais. Eu aprendi a aceitar a Índia, mas definitivamente não gosto dela. A lista de razões é enorme e eu estou cansada de sentir raiva daqui, então apenas enuncio o que não tolero: o modo como os homens me olham nas ruas, o fato de estarmos sempre sendo roubados pelos indianos e a noção de higiene deles – que é sem noção. Claro que há indianos interessantes, sobretudo entre os círculos intelectuais, como o Shoban, dulcíssima figura, marido da Florência Costa – meu casal anjo da guarda, responsáveis pela minha viagem ao mosteiro – ou nas classes mais altas, como a Shivani e a Payal. Na melhor das hipóteses, a banda boa corresponde a 10% da população - que não pode nada contra os mais de 1 bilhão da banda pobre."<br />A jovem escritora pop, ao que me conste, ainda não publicou nenhum romance ou livro de contos próprio. O que me faz pensar que a escolha da jovem escritora pop justifique-se pelo novo olhar que traria a antigas questões. Pelo menos é isso que aparece escrito no site oficial do projeto amores expressos: " Em seu mergulho no estrangeiro, os autores só terão a preocupação de produzir literatura, procurando ouvir e reproduzir a voz do outro que se encontra em cada um, suas alteridades particulares que o isolamento da jornada fará aflorar." Acho que a jovem escritora pop não leu a proposta do projeto, porque mesmo indo tão longe, a esse "país filho da puta", esse país "assustador" (e não no bom sentido) parece que a jovem escritora pop não saiu do lugar. Não saiu do seu bairro, da sua língua, não abriu-se ao outro, foi incapaz de permitir-se deslocar, de realmente exercitar o que é mais difícil na boa literatura: enxergar o mundo pelos olhos do outro. Uma pena que a jovem escritora pop não tenha saído do seu umbigo nessa viagem e reproduza o mesmísssimo discurso colonialista empregado há séculos pelos viajantes europeus que só conseguiam observar a falta e desejavam reduzir o outro ao mesmo. Em apenas um mês de viagem, a escritora pop conseguiu afirmar de maneira inequívoca que "até os monges tibetanos, uns santinhos, não gostam muito da Índia ou dos indianos."<br />É claro que todos nós encontramos escritores, cineastas, políticos etc que pensam assim. Faz parte da vida. O que não deveria fazer parte dos movimentos brasileiros de literatura nos nossos dias é esse espaço garantido no mercado e na mídia a certos autores que acreditam que literatura se faça com posições politicamente incorretas que eles justificam como sendo transgressoras. Abrem mão, em um discurso lido na orelha beatink-pop-lapa, do maior legado da literatura universal. O defrontar-se com o outro e deixar explodir, nesse encontro, a própria fragilidade.<br />Alguém aí do outro lado da telinha poderia dizer: mas isso é dinheiro particular, da editora. Se não é dinheiro público cada um convida - e paga - o autor que acha mais interessante e depois quem quiser que leia. Sim, é dinheiro vindo da iniciativa privada (pelo menos que eu saiba), mas que com o aval de uma das maiores editoras do Brasil torna-se um bem público, uma narrativa bem editada, fotografada, blogada que repercurte, que arrasta atrás de si espaços nos parcos cadernos de cultura, além de uma mídia que se alimenta mais das polêmicas do que das teorias sobre a literatura ou o amor contemporâneo. Uma pena realmente, um desperdício que, pelo menos essa viagem, não tenha se realizado.</span> </div>Giovanna Dealtry e Stefania Chiarellihttp://www.blogger.com/profile/08014884499329405839noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-1719186930961945873.post-83072733008115493692007-12-17T17:11:00.000-08:002007-12-17T17:28:37.613-08:00Montanha mágica no verão carioca<div align="justify">Giovanna Dealtry</div><br /><div align="justify"></div><br /><div align="justify">Em tempos pós-coloniais, pós-modernos, pós-tudo, o termo “clássico” transformou-se em um belo problema. De um lado, o texto clássico remete, quase que exclusivamente, à cultura ocidental. Corrigindo: quase que exclusivamente à história européia e aqueles que, diante do reconhecimento de críticos eurocêntricos como Harold Bloom, beberam da mesma fonte, como Borges ou Machado. Desse ponto de vista, os textos clássicos podem ser assim nomeados não por instaurarem a diferença, mas por mesmo apresentando novas estruturas narrativas não perderem de vista as origens da literatura. Para esse tipo de crítico, o mais interessante é perceber como as periferias do mundo aprenderam direitinho a lição. Esquecem-se, ou não conseguem nem perceber, a subversão que esses escritores operam ao corroer lentamente as estruturas do modelo, em especial, do romance moderno.<br />Essas idéias soltas e comprovadamente sem embasamento nenhum me vieram agora, quando me prôpus a escrever sobre A montanha mágica, de Thomas Mann. Estou no meio da montanha, lá pela página 480, e ao mesmo tempo em que sigo as desventuras do herói Hans Castorp, exilado em uma estação de cura para tuberculosos, pergunto-me o que tenho eu a ver com isso. Sinto-me tão isolada e esquisita quanto o pobre Hans Castorp que planeja uma visita de três semanas ao primo há meses em tratamento em Davos, na Suiça, e logo descobre ser ele também portador de “um lugar úmido” no pulmão. Segundo os médicos necessita urgentemente entrar em tratamento, o que significa medir a temperatura umas cem vezes por dia, comer enlouquecidamente, repousar e expôr-se ao ar frio das montanhas. E mais nada. Nada. São dias brancos os de Castorp e Mann é de um detalhismo ao acompanhar o pensamento do jovem alemão no correr dos meses e anos que a sensação que temos é o que o tempo realmente parou, cessou de existir naquele pedaço do mundo. Dias e pensamentos unem-se numa única massa esmaecida em que fatos corriqueiros adquirem contornos dramáticos, como o estrondo da porta ao bater ou o gosto terrível do charuto. E, ao contrário do que se espera, os dias para esses internos, alguns condenados, passam rápido, como afirma um personagem, a menor unidade de tempo naquele lugar é um mês. É essa, com certeza, a grande discussão proposta por Mann. Interessa investigar como o homem burguês, o paisano, é profundamente afetado pelas concepções físicas, sociais e psicológicas do tempo. E, mais especificamente, como a entrada na modernidade, marcada pela fixação em definitivo do modo de vida burguês, transforma toda a nossa visão entre o ser e o tempo. Essa discussão é travada toda vez que surge em cena o italiano Setembrini, humanista como ele próprio se nomeia, a chamar a atenção de Castorp para o estado de letargia que invade a todos os pensionistas que já não se importam mais em contar meses ou anos, desde que estejam presos à sua rotina proporcionada paradoxalmente pela doença. A doença paralisa o corpo, mas também a alma, e torna-se um excelente álibi para abandonarmos o mundo. O que isso tem a ver com o primeiro parágrafo desse texto eu conto depois. </div><br /><div align="justify"></div><br /><div align="justify"></div><br /><a href="http://4.bp.blogspot.com/_ke_agX6I5v8/R2chtGmO44I/AAAAAAAAABU/hc-wSzoJcbA/s1600-h/1184224920_castelo_de_areia.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5145118158042882946" style="DISPLAY: block; MARGIN: 0px auto 10px; CURSOR: hand; TEXT-ALIGN: center" alt="" src="http://4.bp.blogspot.com/_ke_agX6I5v8/R2chtGmO44I/AAAAAAAAABU/hc-wSzoJcbA/s320/1184224920_castelo_de_areia.jpg" border="0" /></a>Giovanna Dealtry e Stefania Chiarellihttp://www.blogger.com/profile/08014884499329405839noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1719186930961945873.post-1970427264320956432007-10-17T09:43:00.000-07:002007-10-17T10:40:17.129-07:00Que país é esse ou como ficar deprimida com números e livros<div align="justify">Giovanna Dealtry<br /><br />A página de opinião do Globo desta semana disponibiliza um artigo interessantíssimo, e também muito deprimente, sobre a situação atual dos livreiros do país. O autor, Vitor Tavares, Presidente da Associação Nacional de Livrarias (ANL), disponibiliza alguns dados sobre o "Diagnóstico do Setor Livreiro do País" (o nome é meio esquisito, mas é assim mesmo). Pelo tal diagnóstico ficamos sabendo (cara de horror) que em todo território nacional existem apenas 2.600 livrarias, destas 53% estão localizadas na região sudeste (eu já sabia!) e apenas 4% no Centro-Oeste. Para termos uma idéia sobre o que significam esses números, a ONU, ainda segundo Vitor Tavares, recomenda haja uma livraria para cada 10 mil habitantes, eu ainda acho pouco, mas continuando...Ou seja, fazendo as continhas teríamos que ter umas 17 mil livrarias! Para Tavares, 4.900 já tava de bom tamanho. Mais um número antes do lexotan: brasileiro lê hoje menos que dois livros por ano. Óbvio que devemos considerar novos fatores, como a própria Internet, que entra em concorrência direta com os antigos livreiros, na maioria das vezes oferecendo preços mais vantajosos ao leitor. Mas o que eu realmente acho uma deprê total é que em poucas décadas a população desse país perdeu o interesse pela leitura, em especial a leitura de ficção, que é aqui o que mais nos interessa. A velha piada do aluno desinteressado que ao invés de pegar o livro na biblioteca prefere esperar o filme sair, em dvd, é claro, nos mostra que Truffaut, Huxley e Godard, entre outros, estavam enganados. No futuro não haverá policiais especiais revistando nossas casas a procura de livros para a grande fogueira do index. Ao que parece, ao menos soa como uma verdade para o que chamamos de Brasil, é que nós, de livre e espontânea vontade jogaremos nossos livros foras ou trocaremos por MP4 ou canais extras na TV a cabo. Claro que a coisa não é tão apocalíptica assim, afinal nunca escrevemos tanto, justamente por termos acesso à tecnologia e um espaço democrático como a Internet. A pergunta é: será que lemos tanto como escrevemos? Será que a leitura, como valor simbólico, não está perdendo espaço para outras formas midiáticas que justamente atingem coletivamente à massa, ao contrário do livro, que insiste, insiste no silêncio do indivíduo? Afinal, não dá pra sentar à mesa do bar com o mesmo ânimo e perguntar: e aí, leram o último livro do Sérgio Sant´Anna e imaginar o mesmo debate acalorado que vem ocorrendo diante do lançamento de Jack Tropa de Elite Bauer. Talvez, seja isso, uma das possíveis múltiplas explicações, para esses números vergonhosos que temos em mão? É claro que dá pra falar do preço do livro, de certos autores contemporâneos que escrevem para si mesmo e seus amigos etc etc. Enfim, sugestões são bem vindas ao debate. Afinal, muitos de nós, professores, editores, escritores, resenhistas, se não tiram o pão de cada dia da literatura, pelo menos mereciam mais do que essas políticas (?) públicas (!!) tem nos oferecido.<br />Vou esperar respostas... </div><div align="justify"> </div><div align="justify"> </div><div align="justify"> </div>Giovanna Dealtry e Stefania Chiarellihttp://www.blogger.com/profile/08014884499329405839noreply@blogger.com7tag:blogger.com,1999:blog-1719186930961945873.post-17049034608851309292007-08-25T12:23:00.000-07:002007-08-25T13:01:04.843-07:00Alguma Prosa<div align="justify"><span style="color:#000000;">Alguma Prosa, organizado por mim, Masé Lemos e Stefania Chiarelli, ganhou finalmente vida própria. Editado pela 7letras e reunindo ao todo dezesseis artigos sobre ficcionistas brasileiros contemporâneos, Alguma Prosa é, antes de mais nada, uma forma de colocarmos nosso bloco na rua. De fazer crítica levada a sério, mas sem perder a paixão, como diria Octavio Paz. Os autores são todos jovens doutores ou mestres discorrendo sobre suas pesquisas e trabalhos de modo a aproximar o leitor comum da literatura que se faz hoje. Obviamente, não é idéia nossa exaurir o tema e qualquer leitor - especialista ou não - provavelmente sentirá a falta de um ou outro escritor contemporâneo de sua predileção. Mas é assim mesmo, vamos acabar descobrindo que todo brasileiro além de ter um pouco de técnico de futebol, é também um organizador de listas literárias intermináveis.... </span><a href="http://paisagensdacritica.zip.net/index.html"><span style="color:#ff6600;">Júlio Pimentel</span></a><span style="color:#000000;"><span style="color:#ff6600;">,</span> em sua generosa resenha sobre o livro enumera as (primeiras) ausências sentidas.Quem sabe não partimos para uma Outra Prosa daqui a pouco? Obrigada a todos pela força e aos amigos que compareceram ao lançamento do livro.</span> <span style="color:#000000;">Obrigada especialmente a amiga Stefania, por dividir as loucuras...</span></div><br /><div align="justify"></div><br /><div align="justify"></div><br /><br /><br /><br /><br /><a href="http://2.bp.blogspot.com/_ke_agX6I5v8/RtCIXsqtSbI/AAAAAAAAABM/QeeuTuI3Lts/s1600-h/convite_alguma+prosa.gif"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5102728318519429554" style="CURSOR: hand" alt="" src="http://2.bp.blogspot.com/_ke_agX6I5v8/RtCIXsqtSbI/AAAAAAAAABM/QeeuTuI3Lts/s400/convite_alguma+prosa.gif" border="0" /></a>Giovanna Dealtry e Stefania Chiarellihttp://www.blogger.com/profile/08014884499329405839noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-1719186930961945873.post-91891524481554715632007-06-29T11:41:00.000-07:002007-06-29T11:55:36.975-07:00Na praia de Ian McEwan<div align="justify">Stefania Chiarelli<br /><br />Às vezes mais vale escrever enquanto a gente está sob o impacto recente de uma leitura, ainda no clima e na atmosfera de um livro, do que esperar aquela sensação decantar. Porque ela aos poucos se esvai, não tem jeito. Já me aconteceu de terminar um livro desamparada quando virei a última página. Solução: emendar em outro do mesmo autor. Encerrei <em>Os Maias</em> e tive correndo de ler <em>O primo Basílio</em> para não padecer de certa síndrome de abstinência de Eça de Queiroz. Foi bom. Recomendo.<br /><br />Daí a vontade de registrar logo minhas impressões sobre <em>Na praia</em>, de Ian McEwan, antes que elas se percam na próxima esquina. Primeiro, porque deu vontade de me jogar logo em outro livro dele, o mesmo que ocorre – geralmente – quando leio Philip Roth e Paul Auster, só pra ficar em autores contemporâneos de língua inglesa. A restrição fica por conta de <em>Viagens ao scriptorum</em>, deste último, que não me arrebatou como os outros, a despeito dos imensos elogios que eu havia lido sobre o livro.<br /><br /><em>Na praia</em> me trouxe essa sensação de arrebatamento. Florence e Edward, os jovens protagonistas, têm alma e encanto. Seus revezes e angústias são humanos e ao mesmo tempo muito particulares, ligados ao contexto em que se desenrola a ação. Muito já se disse a respeito da década de 60 em que se passa a história, da repressão sexual e do tabu em relação ao tema do sexo, e de personagens que se vêem incapacitados de extrapolar essas amarras tão sólidas em plena lua de mel. Após namoro de um ano, Florence e Edward, jovens e virgens, se casam e partem para um hotel na praia de Chesil, Inglaterra. Ele, estudante de História e cheio de planos para o futuro e ela, violinista talentosa, estão apaixonados. Mas não foram felizes para sempre. Enquanto a fábula tradicional se interrompe aí, a narrativa de McEwan elege esse momento como ponto de partida: como iniciar uma vida sexual com tamanha expectativa? </div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify">Sexo e desejo são o motor de toda a trama, e a sofisticação de McEwan está em externar esses estados de euforia e inibição dos personagens de modo extremamente sensível. "O sexo e a guerra são territórios já muito explorados, e é preciso encontrar algum canto em que a grama não esteja tão pisoteada", disse em entrevista o escritor. A metáfora da grama não poderia ser mais inglesa, e de fato McEwan encontra esse espaço singular em sua prosa, tratando seus personagens com delicadeza, sondando em que medida “a época os retinha” (p. 19). </div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify">Edward tem de discutir a relação na praia do hotel escolhido para a viagem dos recém-casados. O cenário é metáfora para o fracasso do romance entre os dois, paralisados pela angústia de Florence de finalmente ir para a cama com o marido. Com travo amargo o livro se encerra. Acompanhamos o destino dos personagens nas décadas seguintes e, em poucas linhas, percebemos que o bonde da história andou, os costumes afrouxaram, e prevaleceu nessa história a frustração e o fracasso. Mobilizados pelo trauma da única noite de casados, os protagonistas seguem suas vidas, mas, ao olhar para trás, o agora sessentão Edward conclui a inutilidade da pressa e da cobrança. Não há reparação – outro título do mesmo autor - apenas a constatação da perda da inocência.</div>Giovanna Dealtry e Stefania Chiarellihttp://www.blogger.com/profile/08014884499329405839noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-1719186930961945873.post-19606808340916066852007-06-25T16:48:00.000-07:002007-06-25T17:46:03.685-07:00A morte do leitor - 2<div align="justify">Giovanna Dealtry<br /><br /><br /><br />A questão realmente atordoante é onde se coloca esse leitor contemporâneo. De que formas lemos? Ou perdemos a capacidade de ler? De reconhecer caracteres, signos e formular sentidos, ainda que temporários, para esses vislumbres. Não por acaso cinema, filosofia, literatura andam pesquisando ultimamente as fronteiras entre cegueira/visão. A lista é imensa, passando por Ensaio sobre a cegueira, Dançando no Escuro, Janela da Alma, A pessoa é para o que nasce etc. Meu amigo Sérgio Mota escreveu uma tese justamente sobre esse tema: não estaremos todos nós diante da proliferação excessiva das imagens nos tornando incapacitados para a leitura? Parece simples, a princípio, contrapor imagem e texto e responsabilizar nossa era de paraísos simulacrais pelo abandono da nossa capacidade de ler. No entanto, entre uma palavra e outra sempre há espaço. O respiro. Pausa interna ou externa, momento em que verdadeiramente a leitura se dá. A cidade video-clipe não permite pausas, só cortes secos e raras fusões. Ler é identificar lacunas?</div><br /><br /><div align="justify"></div><br /><br /><div align="justify"></div><br /><br /><br /><a href="http://4.bp.blogspot.com/_ke_agX6I5v8/RoBhJh67RJI/AAAAAAAAABE/Nydh_i-U2Po/s1600-h/Surandalou4.gif"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5080167196026160274" style="CURSOR: hand" alt="" src="http://4.bp.blogspot.com/_ke_agX6I5v8/RoBhJh67RJI/AAAAAAAAABE/Nydh_i-U2Po/s400/Surandalou4.gif" border="0" /></a><br />(Un chien andalou - Buñuel/Dali - 1928)Giovanna Dealtry e Stefania Chiarellihttp://www.blogger.com/profile/08014884499329405839noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-1719186930961945873.post-7709142252308275522007-06-24T15:15:00.000-07:002007-06-25T16:48:09.674-07:00A morte do leitor - 1<div align="justify">Giovanna Dealtry<br /><br />Inúmeros escritores de diferentes nações e épocas, como Machado, Borges ou Calvino, reservaram um espaço significativo para o leitor em suas obras. Seja como personagem – como em “Se um viajante em uma noite de inverno”, de Calvino – ou como alvo dos piparotes machadianos. Em um sentido mais amplo, o leitor, real ou ficcional, revela os cruzamentos entre o fazer literário e a própria leitura. O isolamento, a paixão silenciosa, a concentração são temas caros tanto ao escritor quanto ao leitor. Cortazar no seu célebre conto “Continuidade dos parques” borra justamente essas pretensas e seguras fronteiras entre leitor e literatura.<br /><br />“Recostado em sua poltrona favorita, de costas para a porta que o teria incomodado como uma irritante possibilidade de intromissões, deixou que sua mão esquerda acariciasse , de quando em quando, o veludo verde e se pôs a ler os últimos capítulos.”<br /><br />Aí está o leitor pego em flagrante em sua intimidade erótica com o próprio livro. O final, todos sabem: enquanto o personagem leitor encaminha-se para o desfecho do enredo, nós – e ele também? – descobrimos aterrorizados que a literatura invade o espaço pretensamente seguro do ato de ler. De costas para a porta que tanto o incomoda o leitor lê sua própria morte se aproximando. Ler não tem nada de reconfortante e seguro, e muito menos nos leva a um mundo em separado do real, ainda que todo o leitor anseie por estar do lado de lá dessa continuidade dos parques. A literatura que realmente vale a pena é sempre uma traição para com o leitor. Não é à toa que em “A morte e a bússola”, de Borges, o detetive, exímio leitor, termina caindo na armadilha que o leva à própria morte. Ler deixa de ser uma mera atividade de distração, de transposição para um outro universo e torna-se um ato de questionamento do próprio leitor, um jogo – por isso o erotismo – de sedução e perseguição entre o escritor e o leitor, agora não mais parceiros, mas desafiantes.<br /><br /><br /><a href="http://1.bp.blogspot.com/_ke_agX6I5v8/RoBSDx67RII/AAAAAAAAAA8/8dlpbuIL7b8/s1600-h/kamasutra_lector.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5080150604567495810" style="DISPLAY: block; MARGIN: 0px auto 10px; CURSOR: hand; TEXT-ALIGN: center" alt="" src="http://1.bp.blogspot.com/_ke_agX6I5v8/RoBSDx67RII/AAAAAAAAAA8/8dlpbuIL7b8/s400/kamasutra_lector.jpg" border="0" /></a></div>Giovanna Dealtry e Stefania Chiarellihttp://www.blogger.com/profile/08014884499329405839noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-1719186930961945873.post-64500283153727600082007-06-19T05:44:00.000-07:002007-06-24T15:50:24.627-07:00Nome de família: a América indiana de Jumpa Lahiri e Mira Nair<div><a href="http://3.bp.blogspot.com/_ke_agX6I5v8/Rn7ycx67REI/AAAAAAAAAAc/KBUx5jOiw9o/s1600-h/MIRANAIR+BLOG.jpg"></a><br /><br /><div align="justify"><span style="color:#000099;">Stefania Chiarelli<br /></span></div><div align="justify"><span style="color:#000099;"></span></div><br /><div align="justify"><span style="color:#000099;"></span></div><br /><div align="justify"><span style="color:#000099;">Pés escolhem caminhos, atravessam fronteiras, se vestem, se despem, esfriam, esquentam, se enfeitam, se machucam. Tantas emoções e quase sempre ficam lá, escondidos em um sapato ou sandália qualquer. Mas em <em>Nome de Família</em> (The Namesake, Índia/Estados Unidos, 2006) a diretora Mira Nair acertou ao mirar sua lente para esses personagens pouco comuns. O filme conta a história do estudante Ashoke Ganguli (Irrfan Khan), que sobrevive a um acidente de trem na Índia e vincula o quase-milagre ao exemplar de O Capote, de Nikolai Gogol, que tinha em mãos no momento do descarrilamento. Além de redobrar seu afeto pelo escritor, o episódio o inspira a conhecer outras terras. Em Calcutá, Ashoke escolhe uma noiva, Ashima (Tabu), e se estabelece como pesquisador nos Estados Unidos. Quando seu primogênito nasce, o casal dá a ele o nome de Gogol. A intenção é que esse seja apenas o nome pelo qual será tratado em família. O "nome bom", o oficial, deverá ser escolhido pela avó, em uma carta que não chega nunca, e Gogol permanece Gogol. O tempo passa, e o jovem acaba se envolvendo com a norte-americana Max (Jacinda Barrett). O romance constrange e assusta seus pais. O próprio rapaz se convence das dificuldades de manter um namoro multicultural e acaba se apaixonando, mais tarde, por uma moça de ascendência indiana, o que termina por revelar que a origem comum não é garantia de um relacionamento feliz. </span></div></div><br /><p><span style="color:#000099;"></span></p><span style="color:#000099;"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5079766333843522658" style="DISPLAY: block; MARGIN: 0px auto 10px; CURSOR: hand; TEXT-ALIGN: center" alt="" src="http://1.bp.blogspot.com/_ke_agX6I5v8/Rn70kR67RGI/AAAAAAAAAAs/s_rQqFM0c_E/s320/MIRANAIR+BLOG.jpg" border="0" /><br /></span><p align="justify"><span style="color:#000099;">Para contar a história desses personagens, os pés surgem nus, levando a poeira da rua, em toda a sua naturalidade, despojados de artifício, como nas cenas de Ashima e suas unhas quebradas, dedinho torto, delicada tornozeleira. É através deles que se dá o primeiro contato da personagem com Ashoke: ao experimentar os sapatos americanos do futuro marido, em ato que mistura transgressão e curiosidade, os pés da garota indiana se sentem confortáveis e seguros. Mais adiante, o enquadramento revela a beleza da pintura dos pés para o ritual de casamento, adorno que permanecerá por vários dias. Na cena em que, no inverno americano, reaparecem descalços, como na Índia, revelam o desamparo da personagem ao perder o companheiro de toda vida. Da mesma forma, para Gogol, é ao se deparar com os sapatos do pai no quarto impessoal da universidade em que fora lecionar que irrompe a emoção. O toque dos pés descalços nos sapatos do pai morto agudiza a dor e a culpa. Nos pés e na perna manca o pai trazia as cicatrizes do acidente que definiria os rumos familiares. Paul Valéry afirmou que não há nada mais profundo do que a pele, e essa sensibilidade corporal ocupa papel central no belo filme de Mira Nair. </span></p><div align="justify"><span style="color:#000099;"><em>Nome de família</em> foi adaptado do romance <em>O xará</em> (2004), de Jumpa Lahiri. Nascida em 1967, a autora recebeu o Prêmio Pulitzer em 2000 por <em>Intérprete de males</em>, livro de nove contos em que o confronto entre culturas já aparecia. “Esta casa” e “Intérprete de males” são narrativas em que o conflito surge com consequência desse embate. Jumpa Lahiri explora essa condição multicultural para construir personagens delicados e, sobretudo, humanos. A opção de focar esse espaço doméstico, dos pequenos dramas e acontecimentos da vida do imigrante ou de seus descendentes, revela sutilezas que enriquecem a narrativa, já que tanto a escritora quanto a diretora tem familiaridade com o tema. O ambiente acadêmico revela essa faceta da presença indiana no espaço universitário norte-americano. Os personagens são estudantes, bolsistas, professores, pesquisadores. <em>O xará</em> retoma essa ambientação, demontrando que não se trata de indivíduos marginalizados que ocupam as posições menos privilegiadas da sociedade americana, mas de pessoas cuja formação intelectual permite certa integração à nova realidade cultural. </span></div><br /><div align="justify"><span style="color:#000099;">Assim como Gogol, Jumpa Lahiri descende de pais indianos. Nascida na Inglaterra e criada nos Estados Unidos, a autora discute a condição de se estar entre diferentes culturas sem pertencer inteiramente a nenhuma delas. São móveis as identidades, e essa errância se traduz muito bem na discussão sobre o nome do protagonista da história, que nasce Gogol, vira Nikhil, depois retoma o nome inicial. No centro de tudo, a busca de um nome que dê conta dessa vivência dupla, de pais profundamente marcados pela tradição cultural indiana de um lado, e de outro, de um filho nascido e criado dentro dos valores da sociedade americana. A morte do pai faz irromper em Gogol o desejo de rever esse passado, de mergulhar nas raízes esquecidas para entender um pouco melhor a própria história. Apesar de não ser o imigrante exilado que chora a perda da terra natal, na América é sempre rotulado como “um indiano”. Perfazendo um movimento circular, o filme de Mira Nair se encerra em outra viagem de trem. Agora é o filho quem inicia a jornada, e desta vez, a escolha recai sobre a deriva, a atração pelo mundo em todas as suas possibilidades. Da integração provisória das metades partidas, Ocidente e Oriente, pode surgir o novo Gogol. </span></div>Giovanna Dealtry e Stefania Chiarellihttp://www.blogger.com/profile/08014884499329405839noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-1719186930961945873.post-91883729064408688672007-06-15T11:10:00.000-07:002007-06-24T15:53:27.249-07:00Jóias de família - Zulmira Ribeiro Tavares - Companhia das Letras/ 2007<a href="http://4.bp.blogspot.com/_ke_agX6I5v8/Rn7zaB67RFI/AAAAAAAAAAk/7xdHAsqSVQw/s1600-h/JOIAS+DE+FAMILIA.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5079765058238235730" style="FLOAT: right; MARGIN: 0px 0px 10px 10px; CURSOR: hand" alt="" src="http://4.bp.blogspot.com/_ke_agX6I5v8/Rn7zaB67RFI/AAAAAAAAAAk/7xdHAsqSVQw/s320/JOIAS+DE+FAMILIA.jpg" border="0" /></a><br /><div align="justify">Stefania Chiarelli<br /><br /><span style="font-family:arial;">Eu havia lido Jóias de Família há alguns anos, dica de uma amiga que entende do riscado. Lembrava que o livro era bom, bem escrito. Na releitura, como era de se esperar, surpresas. A realidade é que o nome de Zulmira Ribeiro Tavares está longe de ser conhecido dos – poucos – leitores de literatura brasileira. Não é badalado, não está na moda. Não traz cenas de violência escatológica ou sexo apimentado. Entretanto, é obra consistente. A escrita é contida, límpida, e a autora conduz com mão segura o fio narrativo. </span></div><span style="font-family:arial;"><div align="justify"><br />Mais de quinze anos depois de receber o Jabuti de melhor romance, o livro acaba de ser reeditado. A capa sóbria do volume traz uma fachada cujas portas antigas e um tanto corroídas sugerem o mote: tradição, aparências, segredos familiares. A trama gira em torno da endinheirada Maria Bráulia Munhoz, integrante da elite paulistana e viúva de um juiz, que se vê às voltas com a avaliação de um rubi pertencente há muitos anos ao patrimônio da família. Tudo muito comportado e formal. Entretanto, a escritora paulista escolhe cortar com lâmina fina a carne dessas relações marcadas pela hipocrisia e vai dissecando o quanto de fingimento há nessa vida socialmente aceitável. </div><div align="justify"><br />O rubi é de vidro; o casamento, de fachada. A tradição é inventada. O pacto de falsas aparências é o cimento de todas as relações, seja entre patroa e empregada, entre marido e mulher, ou entre a tia e o sobrinho-secretário. Não é à toa que uma das diversões prediletas do casal era assistir a encenações teatrais de comédias leves: o paralelo entre a farsa, o fingimento do palco encontra eco em todos os aspectos da vida dessas pessoas. </div><div align="justify"><br />Em torno do rubi falso giram outros acordos: o do marido homossexual que necessita de um casamento sólido para encobrir as preferências sexuais, o da doméstica servil tratada “como se fosse da família”, o do joalheiro que aceita referendar o engodo da jóia falsificada. Entre cortinas, cisnes de Murano, pétalas de flores e jóias sintéticas se dá o enredo. O apartamento de Maria Braúlia é o palco íntimo dessa encenação, demonstrando o quanto esses personagens habitam uma esfera autônoma, marcada pelo pouco interesse pelo mundo exterior. A não ser quando esse universo invade seus territórios, a exemplo da empregada doméstica e sua sobrinha. </div><div align="justify"><br />Um dos muitos méritos da obra é mostrar que a hipocrisia é um jogo que interessa a todos os beneficiários da farsa. Ninguém é vítima ingênua. Maria Braúlia, que a princípio surge como uma tolinha manipulada pelo noivo, aos poucos se acomoda muito bem ao papel de esposa ideal que lhe é destinado, movendo-se com desenvoltura nessa cena e encarregando-se de perpetuar o mascaramento:“ Ainda assim, por longo tempo, lhe sobrou alguma dúvida a respeito de tudo aquilo, pois os que sofrem a ação da mentira, tanto quanto os que as inventam, mentem também para si mesmos e defendem-se dos efeitos devastadores da verdade inoculando em si próprios, regularmente, pequenas doses de ilusão”, afirma o narrador. </div><div align="justify"><br />É com volúpia que Maria Braúlia Munhoz cultua a jóia. Se falsa ou verdadeira, já não importa: é um rubi graúdo, “bom para ser segurado na concha da mão (...). Morno, macio, uma gota de geléia de amora, uma gota de sangue com uma estrela de luz dentro. Uma maravilha”. Como em O nome do bispo - outro livro da autora - Zulmira Ribeiro Tavares destila sua ironia ao tematizar a decadente aristocracia paulista. Partindo do detalhe, do quase insignificante, aponta o dedo para a ferida ética de uma sociedade habituada à dissimulação.</span></div><div align="justify"><span style="font-family:Arial;">(texto originalmente escrito para o blog <em>Paisagens da crítica</em>, de Júlio Pimentel)</span></div>Giovanna Dealtry e Stefania Chiarellihttp://www.blogger.com/profile/08014884499329405839noreply@blogger.com9