sexta-feira, 30 de maio de 2008

Escrita, escritores


O que eu tenho a dizer está nos meus livros. Coloco a frase assim, sem aspas, porque não me lembro quem a disse ou se eu realmente a li em algum lugar ou se a criei para condensar uma imagem de escritor que carrego comigo há muito. As biografias dos escritores em nada me interessavam. Era quase um plano evitar qualquer evidência de concretude – entrevistas, perfis, até orelhas de livros – e buscar somente nos textos ficcionais e poéticos a relação com os autores. Foi assim que cresci achando que Clarice Lispector era católica. Hoje, continuo a evitar biografias, não com o mesmo desprezo arrogante que só a juventude permite, mas para manter um certo pacto de fidelidade ao escritor inventado por mim.
E, no entanto, as biografias proliferam-se dia e noite nas prateleiras, nas telas de cinema e da intenet e (espanto) dentro das próprias ficções. E (novo espanto) tudo isso nos é vendido como algo novo, novíssimo, recém inventado. Se a biografia antes (quando? em Henry Miller, paixão adolescente?) estava lá como um caminho até a escritura, hoje parece ser o contrário, e a escrita torna-se atalho para o escritor falar de si. A modernidade, de certa forma, rompe essa fronteira entre vida e obra. A “novidade” está aí desde Baudelaire. Mas o certo é que a vida, com suas paixões, reveses, rotinas, não delimitava os espaços investigativos da escrita. E o que considero mais importante: a escrita retornava ao mundo, não se fechava nele.

(Isto tudo começou, ontem. Um aluno, depois de assistir Arquitetura da destruição, um documentário de Peter Cohen sobre estética e nazismo, disse-me, disse à turma, não conseguir sentir raiva de Hitler. Que para ele, parafraseio, isto é apenas um dado histórico, como a tortura nos porões da ditadura brasileira. Um dado histórico distante de mim. – ele disse. O aluno em questão não é burro, lê Heidegger. Explica-se? Faz faculdade de cinema. Pergunto-lhe: que cinema é esse que você quer fazer? Se é incapaz de sentir empatia por outro, diante da dor, para que o cinema, talvez a arte mais empática e coletiva de todas? Ele não responde. Tudo isso, pode ser uma atitude entediada diante da vida, acredito.
)
Passo os dedos nas estantes, biografias, biografias. Explícitas, disfarçadas em: depoimentos, testemunhos, metaficções biográficas, auto-para-psico-etno-alter-ego-peri-grafias.